Um que não vai em futebóis
Na Coimbra dos anos 50, provinciana e falaz, já havia todos os candidatos possíveis às ortodoxias que depois nos estoquearam o lombo. Aquilo era o centro geográfico do parece mal, e digo-o com mágoa porque nasci lá, num rés-do-chão de estudante, sem saber ainda (1937), ingénuo de mim, o que me tocaria em sorte. Mas no pior pano cai a boa nódoa desses anos 50 a tenderem para 60, aos gritos chamava-se José Afonso, no liceu «Turcopês», inventor de música. Vinha de Aveiro, vinha duma serra na eira, vinha de África, de muitos sítios e de todos ao mesmo tempo, pecha de que nunca se livrou.
Abreviámos-lhe o nome para Zeca, ouvíamo-lo em silêncio e, às tantas, perdêmo-lo de vista: andava pela província a ensinar meninos, a ganhar uns tustes com que aguentar a família precoce. Os seus regressos, por vezes numa estrada à espera de um autocarro com o Orfeon ou a Tuna dentro, eram sinal de festa. Falava pouco, mas diferente, por falar nisso, encostou muita gente à parede. Outra sina sua.
O país de fora-parte conheceu-o só nos idos de 60, quando as universidades bateram com o pé no chão. Já ele, creio bem, partira para novos casos, novas causas, descobrindo que o Portugal que sobrava das escolas superiores era quase todo, e algum passava mal. Se no 25 de Abril os capitães escolheram a «Grândola» para senha do movimento foi uma naturalidade: quem, de entre os anjos de pedra lioz, poderia responder-lhes?
Ser heterodoxo, minoria de um, avesso das verdades oficiais, custa como o diabo. José Afonso está aí que não me desmente. Honra lhe seja feita, ele é da raça dos que não vão em futebóis mansos.
Fernando Assis Pacheco