Soneto para o José Afonso
O sílex maxilar abaixa e vibra,
viva rocha fremindo o escárnio e a dor
dos outros, que a sua é apenas flor
enrazinhada ao maxilar e frívola
quase, como quem não pretende. Víboras
de ar contente enpinam-se ao calor
da alheia orelha, e passado e amor
e presente e gente, ganham a estrídula
razão que inda não tinham. No paul
de vicioso bafo, um tremendal
de coxas rãs coaxam no azul
um vazio silênclo. E à barragal
do porto aconchegado em ocul-
ta estultícia chega um vento de sal…
João Pedro Grabato Dias*
*Pseudónimo de António Quadros (Viseu, 1933-Santiago de Besteiros, 1994) estudou Pintura na Escola Superior de Belas-Artes do Porto, e Gravura e Pintura a Fresco em Paris. Em 1964 parte para Lourenço Marques. Foi pintor e professor, mas também artista gráfico, ilustrador, ceramista, escultor, fotógrafo, cenógrafo e pedagogo. Trabalhou em arquitetura, apicultura, comunicação, biologia e ecologia, privilegiando uma abordagem interdisciplinar. Escreveu e publicou poesia sob diferentes pseudónimos: João Pedro Grabato Dias, com 40 e Tal Sonetos de Amor e Circunstância e Uma Canção Desesperada (1970), O Morto (1971), A Arca (1971), 21 Laurentinas (1971), Pressaga (1974), Facto/Fado (1986), O Povo É Nós (1991) e Sagapress (1992); Frey Ioannes Garabatus, com o poema épico-paródico As Quybyrycas (1972, prefácio de Jorge de Sena); Mutimati Barnabé João, ficcionado guerrilheiro morto em combate, com os poemas Eu, o Povo (1975), com o poema homónimo musicado por José Afonso/ Fausto Bordalo Dias e integrado no disco Enquanto há força, 1978. Coordenou, com Rui Knopfli, os cadernos de poesia Caliban. Regressa a Portugal em 1984, e leciona na Universidade do Algarve e na Faculdade de Arquitetura do Porto, continuando a pintar e a escrever. Uma parte da sua obra plástica está antologiada no livro O Sinaleiro das Pombas (2001).