No lago do breu
Canção com uma espécie de refrão atípico que resulta da repetição do terceto final de cada estrofe, em compasso 6/8 e tom de Mi menor, gravada por José Afonso, acompanhado à viola nylon por Rui Pato: EP Baladas de Coimbra, Porto, Rapsódia, EPF 5.182, Outubro de 1962, Lado 2, Faixa nº 3. A gravação decorreu em Coimbra, no antigo Convento de São Jorge, local onde os técnicos da editora montaram os dispositivos de captação sonora. A melodia é melancólica, remetendo para um estado de espírito depressivo vivido pelo autor na data da feitura da obra, conforme nos corroborou Rui Pato.
De acordo com declarações do próprio José Afonso, tratar-se-á de uma canção inspirada no repertório do cantor e compositor francês Georges Brassens (1921-1981), cujo título e letra interpelam a moral social vigente e a prática de frequência das casas de prostituição do Terreiro da Erva em Coimbra. cf. “Os cantares de José Afonso”, Lisboa, 1ª edição, 1968; idem, 2ª edição, Lisboa, Associação de Estudantes do Instituto Superior Técnico, 1969, págs. 46-47: “Balada de inspiração Brassens, define simultaneamente um estado de espírito e uma autobiografia, uma crise de consciência (destruição do sentimento de remorso) e um meio social (os prostíbulos do “Terreiro da Erva” ou os seus sucedâneos mais ou menos bem iluminados” (sic). Até à entrada da década de 1960 era nestas casas que estudantes e jovens mancebos em dia de inspecção militar faziam a sua iniciação sexual. O local da feitura da composição foi Faro, cidade onde José Afonso então residia e trabalhava como professor.
A letra integral é de árdua transcrição, pois nas estrofes o autor oscila entre a sextilha (1ª, 2ª, 4ª, 5ª, 7ª) e os 11 versos (3ª, repetida na 6ª e na 8ª). Rui Pato mitiga a influência de Brassens, a qual se teria feito sentir mais tarde (nesta fase havia mais de Jacques Brel e de Léo Ferré e ainda não as “brassenzadas” do tipo “Eu tive o Diabo na mão”), recordando ter-se deslocado propositadamente a Faro para ensaiar com José Afonso (informes de 12/01/2006). Rui Pato passou um mês de férias no Verão/1962 com José Afonso em Faro. Foi nas deambulações em improvisada jangada à Ilha do Farol que José Afonso alicerçou os rudimentos desta canção. José Afonso começou pela letra e só depois improvisou os rudimentos da melodia. Rui Pato recorda-se bem dos trauteios nascentes junto ao areal da Ilha do Farol, com José Afonso tomado de amores pela futura companheira Zélia Maria Agostinho.
As estrofes assimétricas, alternando entre 6 e 11 versos, a longa debitação da letra, o “refrão” atípico, a obsidiante presença da viola nylon, tudo foi pensado para erigir o tema em obra de protesto contra o que era convencional cantar-se e gravar-se em Coimbra. Tendo forma, No Lago do Breu rejeita abertamente a fórmula estrófica dos temas mais convencionalmente clássicos da CC. Nada de repetições canónicas, nada mudanças de frase antecipadamente reconhecíveis, nada de langorosos ais. O autor escuda-se no efeito surpresa e com ele se torna um intérprete surpreendente. O trabalho de acompanhamento é relativamente simples, pois José Afonso queria fazer alguns acordes na sua viola, embora soubesse antecipadamente que não conseguia seguir os dedos de Rui Pato. Fez-se a gravação com a viola de Rui Pato “meio desafinada” por forma a que José Afonso pudesse cantar e fazer no braço da sua viola os singelos acordes que sabia executar.
A referida gravação veio a ser remasterizada no LP Baladas e Fados de Coimbra, EDISCO, EDL 18.020, ano de 1982, Face B, Faixa nº 3, fonograma omisso quanto ao ano da gravação, matriz original e instrumentista. Versão disponível em compact disc: CD OS VAMPIROS, Edisco, 1987, faixa nº 9, com o título adulterado para “No Largo do Breu” (sic) e inclusão da letra no respectivo livreto. A letra, na edição em off-set das AAEE, de 1969, de “Cantares DE JOSÉ AFONSO” e em “JOSÉ AFONSO. Textos e Canções”, e na publicação Assírio e Alvim, de 1983, não está conforme os discos supra. O título nos discos é No Lago do Breu e, não, “Lago do Breu” como vem em Textos e Canções.
Este tema foi gravado também pelo cantor português activo em França Germano Rocha, em 1964, acompanhado à guitarra por Ernesto de Melo e Jorge Godinho e, à viola, por José Niza Mendes e Durval Moreirinhas (EP BLY 76153 e LP XBLY 86112, ambos da editora Barclay). A letra adoptada por Germano Rocha não corresponde à versão de José Afonso, e o título original aparece encurtado para “Lago do Breu”.
No site http://alfarrabio.um.geira.pt/zeca/cancoes/16.html, encontra-se uma transcrição incompleta da letra gravada por José Afonso, com título encurtado para “Lago do Breu” (cf. também o endereço https://aja.pt/discografia.htm, para as fontes fonográficas do autor conhecidas até ao ano de 2005, cujo rol está incompleto) e omissão integral dos refrões. A versão de das edições de 1968 e 1969 encontra-se no “Arquivo de Música de Língua Portuguesa”, da Universidade do Minho (http://natura.di.uminho.pt).
Este espécime foi gravado na Capela do Palácio de São Marcos da Reitoria da UC por Serra Leitão, no tom de Mi Menor, acompanhado pela formação José dos Santos Paulo/Octávio Sérgio (gg) e Aurélio Reis/Humberto Matias/José Tito Mackay (vv) no CD “15 anos depois… Antigos Tunos da Universidade de Coimbra”, Coimbra, ano de 2000, faixa nº 15. Neste registo, com introdução e arranjo de José dos Santos Paulo, o título sofreu adulteração para LARGO DO BREU (sic), sendo a identificação dos instrumentistas totalmente omissa.
A solfa desta canção encontra-se impressa na brochura do antigo sócio da TAUC António Carrilho Rosado Marques, “Cantares de José Afonso. Acompanhamentos para viola”, Évora, Edição do Autor, 1998, págs. 18-19.
José Anjos de Carvalho e António M. Nunes | Agradecimentos: Dr. Octávio Sérgio, Prof. José dos Santos Paulo, Dr. Rui Pato.
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