José Afonso: Memória do cantor resiste em Coimbra 25 anos depois
A memória do cantor José Afonso resiste em Coimbra 25 anos depois da morte, mas também a sua música ecoa em cada esquina da cidade onde os amigos o recordam com emoção.
O médico Rui Pato tinha 16 anos quando, em 1961, começou a acompanhar José Afonso à viola, participando na gravação dos primeiros discos e em muitos espetáculos.
“As recordações que tenho desse tempo são a incompreensão e a repressão que rodeavam toda a arte que o Zeca fazia, uma coisa que eu não vejo muito descrita”, declarou Rui Pato à agência Lusa.
Nesse “período difícil”, na década de 60, “o núcleo que apoiava o Zeca era pequeno”, disse.
“Foi o período em que mais contactei com ele e que mais me marcou”, acrescentou.
O futuro pneumologista acompanhava outros cantores de Coimbra, designadamente Adriano Correia de Oliveira e António Bernardino, e os guitarristas Pinho Brojo e António Bernardino.
Pato testemunhou a “extrema penúria” em que vivia o autor de “Grândola Vila Morena”. Mesmo assim, “o Zeca não perdia o seu bom humor”.
Para o médico, “a matriz cultural e artística do Zeca Afonso é Coimbra”, onde o cantor realizou apenas dois concertos entre 1961 e 1969, quando já não vivia na cidade.
A maior parte dos seus espetáculos, com a participação de Rui Pato, realizavam-se sobretudo na zona de Lisboa, sobretudo na Margem Sul, a convite de organizações estudantis e operárias.
“Coimbra era uma terra ainda muito conservadora e o Zeca tinha traído um pouco a tradição da canção de Coimbra”, além de ser “um homem conotado com a esquerda”.
Na sua opinião, “há hoje um grande respeito pelo Zeca, como homem, músico e poeta. Tarde, mas felizmente ainda a tempo, é uma figura já metida no ADN da música portuguesa”.
Em 1961, quando Pato começou a tocar com ele, “não se imaginava que, em grande parte dos acampamentos da guerra colonial, os oficiais ouviriam as músicas” de Zeca.
“Nem ele próprio tinha a noção da importância que tudo isso viria a ter na própria evolução sócio-política” em Portugal.
Teresa Alegre Portugal, antiga professora e ex-deputada socialista, conheceu José Afonso de quem recorda “uma voz muito serena que chegava lá ao ponto impossível”.
Nos anos 50, então aluno do curso de Histórico-Filosóficas, na Universidade de Coimbra, o cantor era visita frequente da casa da então namorada do guitarrista António Portugal.
“Achei que devia reclamar uma serenata ao António. Mas foi o Zeca que a cantou, com o António a acompanhar”, contou a ex-deputada.
José Afonso “tinha um sentido de humor verdadeiramente original”, sempre “com aquela postura fora do sistema”.
Acima de tudo, “Zeca é uma das primeiras figuras de um tipo de música muito difícil de classificar”, afirmou Teresa Portugal.
Quem fala dele “como um cantor de intervenção está a limitá-lo muito. Ele vai muito para além disso”, defendeu.
“A sua obra perdura hoje e com muita força”, disse Jorge Cravo, autor do livro “José Afonso: da boémia coimbrã à solidariedade utópica (1940-1969)”.
Para este investigador, “vai havendo cada vez menos um divórcio entre José Afonso e a cidade” onde “teve uma vida um bocado ingrata”.
Afinal, foi em Coimbra “que ele começou”. Um facto reconhecido “em qualquer parte do mundo”, concluiu.
Reportagem de Casimiro Simões, Agência Lusa
Placa de azulejos na casa onde viveu José Afonso na década de 40 do século passado – um segundo andar no prédio contíguo à pastelaria Zizânia, na Avenida Dias da Silva em Coimbra. Já mostrada aqui