Jorge Sampaio comove-se com as canções de José Afonso
O Presidente da República fez ontem em Grândola um comovido regresso ao passado, mais precisamente ao período que antecedeu o 25 de Abril de 1974 em que as canções de intervenção tiveram uma importância “significativa” para a democracia portuguesa. Depois de ter visitado a colectividade onde José Afonso actuou em 1964, a Fraternidade Operária, Jorge Sampaio reconheceu que as suas canções “ficam para sempre”. A cerimónia de homenagem nacional a José Afonso foi um tributo que a Câmara Municipal de Grândola quis prestar ao cantor “que se inspirou neste povo para a canção que foi a senha para o dia da libertação”, salientou Carlos Beato, presidente do município. A sessão foi preenchida com uma actuação da banda da Sociedade Filarmónica Fraternidade Operária, que interpretou vários temas de José Afonso, terminando com a ” Grândola Vila Morena” cantada pelas crianças da escola básica. “Fiquei muito contente por ver os jovens a interpretar Zeca Afonso”, destacou Jorge Sampaio, que se deixou envolver pelas orquestrações “bem conseguidas” pelos músicos da terra. Para o Presidente da República, as canções de intervenção que percorreram o universo contestatário do antigo regime “são momentos de história significativa da vida portuguesa”.Jorge Sampaio não pode ver o palco onde actuou José Afonso em 1964, “por se encontrar em muito mau estado e não haver verba para o recuperar”, lamentou um dirigente da Fraternidade Operária. José da Conceição, membro da direcção desta colectividade, a quem José Afonso enviou em 1964 a primeira versão das quatro que foram elaboradas para a canção ” Grândola Vila Morena”, recordou que quando o cantor lá entrou ficou siderado quando viu expostas obras de Lenine. “Um autor com uma leitura tão indigesta”, comentou Sampaio, admirado pela a ousadia dos grandolenses. Os sobressaltos que têm afectado a democracia portuguesa justifica a necessidade de senhas “como aquela que representou a canção chave da noite de 25 de Abril de 1974”, advertiu o Presidente da República. Por isso, frisou: “Me sinto comovido quando ouço as canções de Zeca Afonso”, recordando aquela vez que ouviu Grândola Vila Morena “ao serviço daquele dia inesquecível”. A sua vivência com o homenageado não foi muito forte, “mas tenho os seus discos, embora um pouco desarrumados”, revelou Sampaio, frisando que o seu relacionamento foi mais forte com Adriano Correia de Oliveira. Comentando o paralelismo entre a situação actual e a de antes do 25 de Abril de 1974, o chefe do Estado disse que “sobre a liberdade nada está definitivamente conquistado, tal como a liberdade de expressão que deve ser uma luta quotidiana”.Hélder Costa, natural de Grândola e director do Grupo de Teatro a Barraca, lembrou o percurso que fez ao lado de José Afonso. Primeiro em Coimbra onde estudou Direito e vivia na República do Prá-quistão, que Zeca Afonso visitava. “Nessa altura já era célebre pelas canções. Nós éramos amigos sendo ele mais velho”.Lembra-se de ele dedilhar as primeiras notas do “Menino é d’oiro” “e malta a gozá-lo para ele parar com a mariquice”.Depois convidou-o a vir até Grândola, onde o cantor ficou admirado “pela actividade cultural e artística” da Fraternidade Operária. Todos os anos em Maio esta colectividade realizava grandes manifestações culturais. Foi lá que Hélder Costa levou à cena a sua primeira peça de teatro ” Gota de Mel”, um libelo contra a guerra, que foi logo proibida.Assim, em 17 de Maio de 1964, a colectividade conseguiu levar Carlos Paredes e José Afonso a um espectáculo que ficou na memória do povo de Grândola e que acabou por se transformar no elemento criador da ” Grândola Vila Morena”. “O entusiasmo foi grande, foi uma loucura”, recordou Hélder Costa. Nessa noite estreou canções que ninguém sabia que tinha e passados uns dias mandou a letra da ” Grândola Vila Morena” para um dos directores da colectividade José da Conceição. O presidente da Câmara de Grândola, Carlos Beato, recordou no seu discurso de homenagem que “foi aqui que ele se inspirou encontrando amigos em todas as esquinas e foi aqui que ele imortalizou para sempre a Vila Morena”. Mais tarde, em 1971, José Mário Branco fez a orquestração em Paris onde o “Cantigas de Maio” foi gravado.