Faleceu Carlos Couceiro
Carlos Couceiro (em baixo) com José Afonso
O José Afonso foi meu colega desde o 4º ano de Liceu e aí começaram as primeiras guitarradas e os primeiros fados de rua que era a maneira de nós não sermos derrapados, lá em Coimbra, com o Mário Barroso.
Saíamos para as nossas noitadas desde que se cantasse e tocasse bem ou mal, e ele cantava bem e o Barroso tocava muito bem, eu é que era o mais incipiente. Fomos colegas desde o 4º ano, e mais, vim a ser seu compadre, padrinho do seu primeiro filho.
Estava eu na Faculdade de Engenharia no Porto, quando recebi um recado dele, à sua boa maneira: “Quero que sejas o padrinho do meu filho”. E lá fui eu para o notário da Avenida da Sofia com a minha comadre, uma moça de Pinhel, a Leia. Entretanto, o José Afonso foi dando os nomes e as datas do pai, da mãe e dos avós e daquelas coisas todas que lhe pediam, até que o notário the perguntou: “Em que dia é que nasceu a criança?…” e ele: “Eh, pá, em que dia é que nasceu o meu filho???” E eu disse: “17 de Janeiro de 1952”. Histórias…! ele tem tantas… Uma em que ele quer receber a Tuna Académica de Coimbra que vinha de Nova Lisboa, em Angola, para o Lobito, no Caminho de Ferro. Ele pertencia à Comissão de Recepção. Eu já não via o Zeca há seis anos. Ele saíu do comboio dirigiu-se a mim e disse-me: “Eh pá, esta malta agora tem um sentido exagerado de propriedade,”, e eu perguntei-lhe: “Porquê, pá?” E ele explicou: “Olha quando me levantei, calcei as meias do parceiro que vinha na cabine, comigo, e o tipo refilou tanto, tanto, que eu estive a quase a ir-lhe ao focinho…”
Outra vez, ainda no Liceu, quando apareceu o aspecto ortográfico de acentuação, o Zeca nas aulas de Português dizia “Estando os conégos da Se com os cotóvelos apoiados numa mesa de pau de ebâno bebendo uma pinga de cáfe, estando uma menina a ler, diz um deles: “Ai que bem que a menina le”, pois ainda não é nada, porquanto ainda vamos no prológo quando formos no epilógo das formigas…! E muitas outras mais… Há muitas coisas que se sabe pouco dele, eu devo dizer, para mim, que o Santos Silva, engenheiro na Figueira, o Manuel Nemésio, filho do Vitorino Nemésio que o conhecemos na intimidade desde crianças, sabemos da sua generosidade, da sua coragem e da sua energia física. Nós punhamos as capas em cima da cabeça e ele saltava aquilo. Na Universidade ele corria muito bem… e como é que aquele homem vem a morrer com aquela doença de atrofias musculares ele que era de uma elasticidade física como poucos.
Era uma pessoa de grande coragem, pois por vezes em situações de grandes conflitos, em que ele não se metia, mas que não arredava pé.
Dizer dele, que era um homem de boa fé, duma descuidada ingenuidade, um homem bom e assim vivíamos. Convidou-me no dia seguinte ao casamento dele, que fez com umas testemunhas quaisquer, que encontrou. Sentei-me e comi com ele, o primeiro prato de bacalhau com duas batatas, no quarto dele no Beco da Carqueja, era um Beco que havia mesmo em frente da Sé Velha, e ele vivia ali no 3º andar.
Muitas vezes encontrei o Zeca Afonso a dormir na minha cama na minha “República” e eu a ter que me deitar num colchão no chão, porque ele não aceitava que o fossem tirar da cama onde dormia, aquilo era dele. São alguns pormenores que posso contar. Falar dele é falar de muita saudade. São muitos os episódios, mas acho que o António Fernandes Santos Silva engenheiro da Figueira da Foz, tem um livro que traz umas histórias sobre o Zeca. O Santos Silva, julgo que foi a pessoa que melhor retratou a vida do Zeca. O resto, floriram, e na minha opinião exploraram a pessoa que ele era. Nalgumas coisas, utilizaram a sua maneira de ser mas este, o Santos Silva, deu em toda a sua beleza a sua grande dimensão com a amizade de irmão.
Carlos Couceiro