Londres, a cidade de que mais gosto II
“Traz Outro Amigo Também”, quarto LP de José Afonso, demorou cerca de um mês a ser gravado em Londres, em 1970, nos estúdios da Pye, não mencionados no disco.
Além de mim, assistiu também à gravação do álbum José Labaredas, homem bom do Couço, fadista por gosto, companheiro de Manuela Videira e amigo de Zeca.
Esta “família”, incluindo a Nina e a Milú, irmãs da Manuela, vadiou pela cidade, gozando o mais possível a “swinging London”, tendo sido surpreendida com “encontros imediatos”.
Fomos, por exemplo, a um festival anti-nuclear (Festival da Páscoa pela Paz) que se desenrolou no dia 29 de Março de 1970, em Victoria Park e onde encontrámos Gilberto Gil, exilado em Londres juntamente com Caetano Veloso.
Os nomes mais sonantes do Festival, apresentado pelo famoso John Peel, já falecido, eram os de Yoko Ono e John Lennon (que só declamaram), Arthur Brown, Liverpool Scene, Viet-Rock Group Of Keele University, Greek Arts Theatre.
Há um EP de José Afonso, “No Vale de Fuenteovejuna”, cuja capa é uma fotografia tirada nesse festival com José Afonso, Gilberto Gil, Luís Filipe Colaço e Zélia, mulher de Zeca, com cachecol pela cabeça.
Aliás, há duas capas deste mesmo EP, um pormenor curioso representativo dos tempos ditatoriais que então se viviam. Além desta capa que acabo de descrever há uma segunda, com a foto de Luís Colaço tapada e, ainda por cima, com um erro (ver imagens).
A foto, de José Labaredas, não foi tirada em Hyde Park, como se diz, mas sim em Victoria Park. Ninguém sabe exactamente por que razão a foto foi tapada, nem o próprio Arnaldo Trindade, que foi o editor do disco, sabe, mas sendo Luís Filipe Colaço militante do MPLA a quem a PIDE criou dificuldades em Lisboa no embarque para Londres, presume-se que a razão esteja por aí.
Há mais 4 EPs de José Afonso com fotos do Festival, num dos quais, “Menina Dos Olhos Tristes”, se vê ainda Manuela Videira.
Há outra curiosidade neste Festival. Apesar de ter sido um Festival Pela Paz, ou por causa disso, foi onde os skinheads (cabeças rapadas, grupo racista de extrema-direita) fez a sua apresentação pública.
Estávamos calmamente a assistir aos concertos quando veloz e rapidamente um arrastão de skinheads passou por nós, Quando démos por isso, estava um negro no chão a sangrar. Tenebroso!
Voltando aos brasileiros exilados, José Labaredas organizou um almoço ou um jantar (já não me lembro muito bem) num restaurante português em Beauchamp Place (onde a princesa Diana ia às compras), uma das mais castiças ruas londrinas. “Fado” era o nome do restaurante.
À mesa, um grupo grande de 9 pessoas, entre as quais, José Afonso, Gilberto Gil e… Caetano Veloso.
“Caldo verde lembro-me que comemos todos e também pastéis de bacalhau”, recorda Luís Filipe Colaço.
Falou-se muito de música e também de política, pois ambos os países viviam então em ditadura.
Caetano Veloso confessou que estava a ser pressionado pelos amigos no Brasil a escrever uma canção sobre os seus dias de exilado em Londres. “Não sei como fazê-lo, sinto-me bloqueado!”.
Foi então que José Afonso veio em seu socorro e lhe deu um lamiré, nascendo assim “London London”, que começou a ser sucesso na voz de Gal Costa.
I’m lonely in London, London is lovely so
I cross the streets without fear
Luís Pinheiro de Alameida, Gazeta da Beira, 10/06/2021