Londres, a cidade de que mais gosto I
Londres é provavelmente a cidade de que mais gosto e, possivelmente, a que melhor conheço. Por “snobismo”, até costumo dizer que conheço melhor Londres do que o Porto, o que não é mentira.
Visitei Londres mais de 100 vezes, seja por motivos profissionais (a maior parte das vezes), seja em férias e/ou simplesmente por gosto.
Foi a cidade seguinte ao baptismo de voo para Paris, no dia 22 de Março de 1970, desta feita num quadrimotor que partiu junto à costa francesa, atravessou a Mancha e aterrou na costa fronteiriça: voo de estudantes, bem mais divertido por causa do barulho e dos constantes poços de ar e consequentes trepidações..
Em Londres – não esquecer que estávamos no final da década de 60 – fiquei em casa das irmãs da Milú (Mãe dos meus filhos João Pedro e António Luís), Nina e Manuela, no número 8 de Oakley Street, a rua de Albert Bridge, perpendicular à King’s Road, um dos berços da swinging London e onde viriam a viver, anos mais tarde, David Bowie, George Best e Bob Marley.
A Nina e a Manela estudavam em Londres e trabalhavam no Chelsea Kitchen, um dos restaurantes da moda, que era gerido por um português de Luanda, Jorge Castilho.
Era um novo mundo à minha frente: saí da ditadura do Estado Novo, agora mesclada de “primavera marcelista”, para aterrar no “olho do furacão”, no coração dos “anos 60”: Londres! O que poderia eu mais desejar?
Nem sei como sintetizar em 3.000 caracteres o que vi e como vi essas férias da Páscoa londrinas! Vou focar-me, por isso, num episódio muito particular que talvez mais interesse aos leitores da Gazeta da Beira.
E o que foi esse “episódio muito particular”?
Tão-só a gravação do LP “Traz Outro Amigo Também”, de José Afonso.
Rui Pato, habitual viola do cantor, disse-me que Arnaldo Trindade, editor discográfico de José Afonso, tinha tanta confiança na potencialidade do cantor que lhe sugeriu um “bom estúdio à sua escolha”, tendo José Mário Branco, seu futuro produtor, escolhido o estúdio da Pye Records, em Londres, não muito longe de Marble Arch.
Da equipa habitual de José Afonso só quem não conseguiu participar na aventura foi ironicamente Rui Pato, castigado com o serviço militar obrigatório na sequência da crise académica de 1969, em Coimbra. Também Luís Colaço, guitarrista dos Álamos e militante do MPLA, teve dificuldades em embarcar e chegou atrasado. Foi salvo in extremis pelo presidente do RCP, Botelho Moniz, onde Colaço era funcionário.
Carlos Correia, conhecido como Bóris, foi o substituto de Rui Pato. Tinha sido companheiro de Colaço nos Álamos, pelo que, como se diz na gíria futebolística, se encontravam “entrosados”.
Foram delirantes aqueles dias londrinos, a começar pelas demonstrações de judo que eu e José Afonso (outro fanático da modalidade) fazíamos em casa das irmãs Videira, servindo um colchão como “dojo” (e nós de pijama) e a Manela a pôr as moedas no “meter” da electricidade para não ficarmos às escuras! A Inglaterra vivia ainda “noutro mundo”, como os Beatles cantavam em “Lovely Rita”.
Os estúdios da Pye eram do mais moderno que havia à época e os seus técnicos super-jovens, altamente competentes, que ficavam de boca aberta a ouvir cantar José Afonso, mesmo sem perceber patavina. O que mais os deslumbrava era a simplicidade da música e o facto de o cantor se enganar constantemente na letra.
No estúdio ao lado, os Status Quo gravavam o seu primeiro álbum de “hard rock” (“Ma Kelly’s Greasy Spoon”) pelo que se entende o ar atónito dos jovens técnicos que até entornaram uma chávena de café no gravador principal, sem se ralarem muito! Num segundo (expressão idiomática) tudo ficou OK.
Luís Pinheiro de Almeida, in Gazeta da Beira, 13.05.2021