Vejam bem
(…)o motivo de “dormir ao relento” é usado frequentemente nos textos de José Afonso, o que este texto vem ilustrar. Mas fazem-se outras referências à vida de quem se opõe ao regime e à PIDE:
“Gaivotas em terra” é uma expressão utilizada para anunciar uma tempestade e, em sentido mais figurado, para anunciar uma catástrofe ou um período conturbado. José Afonso quer advertir o ouvinte de que o pensamento em si é somente o primeiro passo para a mudança. Se algumas pessoas dizem que a revolução não se faz com canções, o mesmo se pode dizer do pensamento, embora este seja a base em que ela assenta.
A “estátua” já é uma referência mais directa e concreta à PIDE. Trata-se de uma técnica de tortura que se aplicava para extrair confissões. O detido tinha de ficar de pé por horas seguidas, sem que se pudesse apoiar. Se adormecia, era logo acordado com um sons agudos e súbitos. Outra referência a esta técnica faz-se no texto “Por trás daquela janela”.
Além de “dormir ao relento”, a vida isolada do oposicionista exprime-se através da imagem do homem que é torturado à vista de outras pessoas, sem que ninguém o venha ajudar. A sua actividade clandestina define-se como a luta por uma melhor distribuição dos bens (“caminhos do pão”). Por muito fraco que seja o sistema autoritário (“a fraca figura”), tem de lutar sozinho, pois não encontra com quem lutar.
in “A canção de intervenção portuguesa – Contribuição para um estudo e tradução de textos” de Oona Soenario, 1994-1995, Universidade de Antuérpia