José Afonso faria 90 anos no dia 2 de Agosto
No panorama artístico, social, político, cultural, não foi, José Afonso, um homem qualquer. Pertencerá sem dúvida aquele número reduzido dos que, pelas suas obras, se vão “da lei da morte libertando”.
Para ser grande bastava-lhe a voz. Límpida e jovem voz que ecoou nas escadarias da velha Academia de Coimbra. Voz madura de Maio, voz de um povo sofrido, voz de denúncia, voz de inquietude. Voz sinete da revolução de Abril!
Para ser grande bastavam-lhe as palavras. Palavras de reflexão, de um pensamento atento e generoso, palavras em poemas, musicados ou não. Palavras irónicas, duras ou doces, enigmáticas ou mordazes. Palavras cheias. Cortantes, moendo, denunciando. Trazendo o conforto que nos faz falta, sendo alarme e esperança.
Para ser grande bastava-lhe a música, o trinado da guitarra e da viola, o som dos ferrinhos e do adufe, dos instrumentos em harmonia ou desafiando-se. Bastava a recuperação das raízes musicais, as influências das terras por onde andou, das Beiras ao Algarve, de África ao Alentejo, todas as sonoridades que o seu ser andarilho foi captando para nos dar canções de grande riqueza musical, inovação e originalidade.
Para ser grande bastava-lhe ser homem.
Um homem inteiro, vara aprumada, ainda que por dentro vergasse na inquietude própria de um ser desassossegado e sedento de verdade e justiça. Homem do lado certo da história, da resistência junto a tantos outros, na longa noite fascista. Irmão dos oprimidos, dos desterrados, das mulheres da erva, dos homens que ardem por uma ideia. Fraterno, simples, independente! De braços abertos numa mesa sempre posta, punhos cerrados quando havia um camarada à sua espera.
Para ser enorme bastou-lhe a utopia. Essa utopia presente na ondulação do seu canto, na atitude perante a vida. Que outros agarraram e colocaram nas lides clandestinas, nos canos das espingardas, nas escolas e fábricas, nos campos e nas ruas. A utopia de construir a cidade de “gente igual por dentro e gente igual por fora” onde o povo seja sempre aquele que mais ordena.
Essa utopia que ainda nos alimenta, nos move e nos guia.
É o legado deste homem ímpar que queremos preservar!
São as suas canções que queremos disponíveis às novas gerações. Porque é urgente que assim seja!
É a sua obra, de enormíssima e incontestável grandeza, que queremos encontrar acessível. Porque é inadmissível que não existam no mercado discográfico todos os álbuns de um artista de tal valor!
Foi o tomar consciência dessa necessidade que fez com que a Associação José Afonso lançasse a Petição para que se classifique a obra de José Afonso de interesse nacional.
Esta petição, que estará aberta à subscrição até ao dia 1 de Agosto, juntou mais de 11.000 assinaturas o que mostra bem a importância e consenso que existe na sociedade portuguesa em relação ao Cantador.
No dia 2 de Agosto, pelas 12 horas, assinalando a data do aniversário de José Afonso, uma delegação da AJA entregará no Ministério da Cultura um dossiê onde constará a Petição com as assinaturas on-line e também em papel, contando estas com a adesão de personalidades dos mais variados quadrantes da vida nacional.
Queremos, enfim, lançar o desafio, conscientes da força não só das palavras mas principalmente dos actos, de sermos capazes de desenlaçar os nós e fazer acontecer!
Para que caminhemos sempre mais além, na construção da “cidade sem muros nem ameias”.