Eranova: uma cooperativa cultural
Ao longo do período revolucionário português assistiu-se à dinamização do associativismo popular através da criação de centenas de comissões de trabalhadores, comissões de moradores, cooperativas e associações artísticas e culturais, sustentadas por dinâmicas próprias e por mecanismos de autogestão. Vários artistas, sobretudo músicos e cantores, assumem então um papel de intervenção direta no terreno, participando de forma voluntária e gratuita em sessões enquadradas na atividade político-partidária e em campanhas de dinamização e de ação cultural.
Contudo, as mudanças políticas desencadeadas pelo 25 de Novembro de 1975 teriam um impacto negativo imediato na atividade de militância político-cultural. Embora na nova Constituição aprovada em 1976 se procurasse estimular e fomentar a criação e a atividade cooperativa,o novo panorama político pós-revolucionário condicionaria o apoio à criação cultural e artística mais radicalizada.
Reagindo contra esta situação e dado o caráter deficitário geral de meios organizativos, técnicos e logísticos dos eventos ao vivo em Portugal neste período, vários cantores afirmaram a sua intenção de desenvolver estruturas para uma maior profissionalização da realização de espetáculos e de apoio à produção fonográfica. Este processo traduziu-se na organização de cooperativas de dinamização cultural, frequentemente conotadas com organizações partidárias, as quais forneceram a base ideológica para a radicalização do discurso contra as “formas de exploração capitalista” da arte e da cultura. Ainda em 1975, seriam disso exemplo a cooperativa Vozes na Luta criada pelo Grupo de Acção Cultural, próximo da UDP, assim como a cooperativa de edição discográfica Toma Lá Disco, criada por um grupo de cantores e poetas afetos ao PCP. Da mesma forma, vários artistas associados à esquerda revolucionária envolver-se-iam na projeção da plataforma FAPIR – Frente de Artistas Populares e Intelectuais Revolucionários, a qual apelava, segundo o seu manifesto (1976), à participação de todos os “artistas e intelectuais na ampla frente de unidade antifascista e anti-imperialista”, visando o “desenvolvimento de trabalho cultural conjunto ao serviço dos órgãos de vontade popular”, posicionando-se contra “as vias reformistas e sociais-democratas” e promovendo um discurso de “afirmação e impulsão da cultura popular”.
É neste contexto que, em março de 1978, é formalmente constituída a Cooperativa Eranova (doc. CDJA – Centro de Documentação José Afonso). Partindo da iniciativa de um conjunto de agentes culturais – músicos, animadores culturais, atores, técnicos de cinema e cineastas -, a cooperativa foi inicialmente pensada enquanto estrutura para a produção e animação cultural através do cinema, sendo registada como Cooperativa de Trabalhadores de Cinema SCARL. Assim, uma das primeiras ações da Eranova consistiu no apoio à produção e distribuição do filme/documentário Torre Bela – Uma cooperativa popular, realizado pelo alemão Thomas Harlan entre 1975 e 1977 e que retrata o processo de reforma agrária em Portugal.
Contando com o envolvimento de vários músicos, tais como Sérgio Godinho, Francisco Fanhais e José Afonso, assim como de Camilo Mortágua, antigo dirigente da LUAR – Liga de Unidade e Acção Revolucionária e dinamizador de inúmeras sessões de caráter político-cultural junto dos órgãos populares de base, não tardaria muito para a Eranova estender a sua atividade à música popular portuguesa, ao teatro, às artes circenses, à poesia e à animação cultural.
Em junho de 1978, a Eranova realiza a Semana Etnográfica Etno78 no Teatro da Comuna, evento que se repetiria no mês seguinte em Setúbal, como forma de lançamento e de divulgação das atividades da cooperativa. Organizada em clima de festa, a Etno78 refletia as intenções da Eranova de desenvolver trabalho de dinamização cultural através de diferentes áreas artísticas, organizando para tal uma Mostra de Cinema Etnográfico em colaboração com as cooperativas Cinequipa e Cinequanon, a promoção e a venda de produtos regionais de gastronomia e artesanato, várias apresentações de músicas e danças de grupos folclóricos e regionais, uma exposição de fotografia e a atuação de José Afonso, Fausto, Vitorino, Francisco Fanhais e do GAC.
Pena é serem sempre referenciados os mesmo cantores, mas a Era Nova não eram só cantores.
Só para dar uns exemplos: Natércia Oliveira à altura, mais tarde Natércia Campos, Luigi Abondanza, João Grosso e também eu próprio.
Abraço fraterno.