ALINHAMENTO
01. Senhor arcanjo
LETRA/MÚSICA José Afonso
02. Cantigas do Maio
LETRA José Afonso/Refrão popular
MÚSICA José Afonso
03. Milho verde
LETRA/MÚSICA Popular
ARRANJO José Mário Branco
04. Cantar Alentejano
LETRA/MÚSICA José Afonso
05. Grândola, vila morena
LETRA/MÚSICA José Afonso
06. Maio maduro Maio
LETRA/MÚSICA José Afonso
07. Mulher da erva
LETRA/MÚSICA José Afonso
08. Ronda das mafarricas
LETRA António Quadros (pintor)
MÚSICA José Afonso
09. Coro da Primavera
LETRA/MÚSICA José Afonso
Prémio Casa da Imprensa para Melhor Disco
Prémio Melhor Disco de Sempre da Música Popular Portuguesa atribuído pelo semanário SETE em 1978
FICHA TÉCNICA
edição
Arnaldo Trindade & Cª. Lda. (Orfeu STAT 009)
gravação
Strawberry Studio, Herouville, França (de 11 de Outubro a 4 de Novembro de 1971)
som e mistura
Gilles Sallé e Christian Gence
arranjos e direcção musical
José Mário Branco
Os acompanhamentos de guitarra foram geralmente concebidos por Carlos Correia “Bóris”.
músicos
Carlos Correia “Bóris”: Viola, coros e passos
Michel Delaporte: darbuka, bongo berbere, tumbas, tamborim brasileiro e adufe
Christian Padovan: Baixo eléctrico
Tony Branis: Trompete
Jacques Granier: Flauta
Francisco Fanhais: Coros, passos, apitos de fole e guimbarda (tipo berimbau)
José Mário Branco: Coros, passos, acordeão, órgão Hammond e piano Fender.
capa
José Santa-Bárbara
fotografia
Patrick Ulmann
edições estrangeiras
Moçambique, Espanha, Itália, França e
Alemanh”
EP's EDITADOS A PARTIR DO LP
Grândola, vila morena, 1972
(editado a partir dos LP «Traz outro amigo também» e «Cantigas do Maio»)
ALINHAMENTO
01. Grândola, vila morena
LETRA/MÚSICA José Afonso
02. Moda do entrudo
LETRA/MÚSICA Popular, Beira Baixa
03. Traz outro amigo também
LETRA/MÚSICA José Afonso
04. Carta a Miguel Djédje
LETRA/MÚSICA José Afonso
FICHA TÉCNICA
edição
Arnaldo Trindade & Cª. Lda. (Orfeu ATEP 6456)
fotografia
Patrick Ulmann
Cantigas do Maio, 1972
ALINHAMENTO
01. Cantigas do Maio
LETRA/MÚSICA José Afonso
02. Ronda das mafarricas
LETRA António Quadros (pintor)
MÚSICA José Afonso
03. Mulher da erva
LETRA/MÚSICA José Afonso
FICHA TÉCNICA
edição
Arnaldo Trindade & Cª. Lda. (Orfeu ATEP 6486)
Maio maduro Maio, 1972
ALINHAMENTO
01. Maio maduro Maio
LETRA/MÚSICA José Afonso
02. Milho verde
LETRA/MÚSICA Popular
ARRANJO José Mário Branco
03. Cantar Alentejano
LETRA/MÚSICA José Afonso
FICHA TÉCNICA
edição
Arnaldo Trindade & Cª. Lda. (Orfeu ATEP 6487)
SINGLE
Grândola, vila morena, 1977
(editado a partir dos LP Traz outro amigo também e Cantigas do Maio)
ALINHAMENTO
01. Grândola, vila morena
LETRA/MÚSICA José Afonso
02. Traz outro amigo também
LETRA/MÚSICA Popular
ARRANJO José Mário Branco
COMPRAR
CD Cantigas do Maio
10.00€LP Cantigas do Maio
17.00€LP/33rpm
Cantigas do Maio, 1971
Eu e a Zélia estivemos numa Sociedade Operária. Aí actuámos, eu e o Paredes (o filho é ainda melhor que o pai) no meio de uma assistência atenta e compenetrada, toda ela de operários e mulheres de xaile e lenço. Ofereci-lhes uma canção feita na véspera (16-05-64), uma espécie de evocação da terra alentejana e do seu símbolo ainda vivo na lembrança do homem povo: a Catarina Eufémia, uma ceifeira de Baleizão morta pela Guarda Republicana em circunstâncias que forneceriam matéria para uma canção de gesta. É claro, que não é isto que interessa manter nestes contactos efémeros com os «mujiks» do nosso tempo. Se alguma vez tiver de deixar esta terra é a lembrança dos homens que conheci em Grândola e noutros lugares semelhantes que me fará voltar.
"O Zeca está em Paris, está a cantar no Boulevard Saint-Michel!". Uma voz apressada e nervosa procurava José Mário Branco a fim de lhe entregar esta mensagem urgente e de importância não menos do que vital – a vida, de facto, não seria a mesma a partir daí. Estavam pela primeira vez a uma distância razoável, possível de ser reduzida até terminar num aperto de mão, num abraço até. José Mário encontrava-se nessa noite de 1969 a cantar numa colectividade nos arredores norte da capital francesa. José Afonso – Zeca para qualquer português que visse nas suas canções uma tocha a apontar o caminho – estava no centro da cidade, no Boulevard Saint-Michel, no número 93, num pequeno auditório do Foyer International des Etudiantes. "Despachámo-nos a correr porque eu não conhecia o Zeca pessoalmente", lembra José Mário. Atravessou rapidamente a cidade até chegar ao Quartier Latin. O auditório do lar para raparigas estava nessa noite por conta dos muitos portugueses exilados em Paris e, à porta, o controlo das entradas era feito por um velho conhecido – Adolfo Ayala, um dos fundadores do Partido Socialista, veilleur de nuit do Foyer – que lhe permitiu o rápido acesso à presença de Zeca. É nessa noite que José Mário e Zeca se conhecem por fim. A partir de então, Zeca começa a funcionar como correio entre José Mário Branco e os seus editores, entre a sua música e o seu público. É ele quem traz para Portugal as fitas com a gravação do single Ronda do Soldadinho e quem estabelece a ponte com a Sasseti, casa que viria a publicar o álbum de estreia de José Mário, Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades. Nesse vai-vém resolve-se na cabeça de Zeca a forma ideal de abordar a necessidade crescente de ver as suas canções agigantarem-se, conquistarem terreno para além da fórmula voz e viola, reclamarem um espaço musical para além do trovador. Essa ambição transforma-se em certeza e resulta no convite a José Mário Branco: o próximo havia de ser com ele. Numa dessas viagens, Zeca mete-se no carro rumo a Paris, com escala em Valência porque há ainda que dar um concerto pelo caminho. Consigo segue a sua mulher Zélia Afonso, mas também Francisco Fanhais. Pouco a pouco, a vida de Fanhais em Portugal tinha sido reduzida à inacção devido a três proibições: "a de cantar – porque nessa altura já era muito complicado para todos nós cantarmos; dar aulas também não podia; e estava suspenso das minhas funções de padre". Precisa então de "arejar, respirar e ver que novos horizontes" pode oferecer à sua vida. Nesse Abril de 71, Zeca leva-o até Paris, onde José Mário Branco o chamará para o grupo de Cantigas do Maio. José Mário tinha já gravado com Gilles Sallé no estúdio de Michel Magne, a 30 quilómetros de Paris, no Château d!Hérouville. O regresso a esse local de boa fama – por onde tinham acabado de passar os Grateful Dead e gravariam seguidamente Elton John e Pink Floyd, entre outros – far-se-ia no final do ano, em Outubro e Novembro de 1971 para a gravação de Cantigas do Maio. Processo que beneficia em muito dessa experiência prévia de José Mário Branco. Não só pela maturada definição de noções e estéticas, mas igualmente pelo conhecimento prévio dos melhores músicos a contratar localmente para dar corpo às ideias que se vão empoleirando na sua imaginação. A encenação começa a ter uma forma, José Mário planifica-a ao milímetro e quando entram em estúdio o álbum vai ganhando os contornos que o músico tinha sonhado no papel como resposta ao "pacote de canções inéditas" que Zeca lhe levara e ao "ambiente sonoro do disco" sobre o qual haviam já conversado. "Que eu me lembre, não me pôs grandes condicionantes", diz o director musical. Com uma única excepção. "Havia alguma prevenção dele contra a electrificação do som dos discos". Em vez disso, pedia aquilo a que chamava "sons nobres". As cordas, os sopros, as percussões, sim, mas sem tomadas por perto. Mas por mais que José Mário Branco se tivesse preparado, a verdade é que o convite vindo do mestre foi, à falta de melhor definição, "um susto". Passamos-lhe a palavra: "Eu tinha pouca experiência de gravações. Já começava a organizar na minha cabeça uma série de conceitos e de opções artísticas, estéticas, técnicas, com a experiência do primeiro álbum que tinha gravado. Mas era a sensação de como se, de repente, me pusessem nas mãos um punhado de diamantes para eu lapidar". Ainda que, muito conscientemente, soubesse que tinha liberdade para aplicar o seu vocabulário musical. "O Zeca era uma pessoa muito atenta e muito inteligente", enquadra. "E, portanto, se vem ter comigo para eu dirigir o disco dele, depois de ouvir o que eu tinha feito no Mudam-se os Tempos, ele devia contar que ia haver mudanças". Com Zeca, partira de Portugal Carlos Correia (Bóris), que assegurara já as guitarras no álbum anterior, Traz Outro Amigo Também. Bóris, por sua vez, levava os acompanhamentos de guitarra saídos da sua invenção devidamente estudados e prontos a registar. Mesmo que depois pudessem ser pontualmente suprimidos pela concepção geral de José Mário Branco. No caso de "Cantar Alentejano", tocante evocação de Catarina Eufémia, a decisão foi outra: deixar a voz de Zeca Afonso a pairar somentesobre o belíssimo rendilhado desenhado por Bóris – "não mexo nisto – as tuas palavras, a tua voz e a guitarra do Bóris" terá dito o produtor. Gravaram então sem rede, em directo. Mas a interpretação não estava a sair – ou porque a voz hesitava, ou porque fugia um dedo a Bóris e se estatelava na corda errada. É então que Zeca anuncia: "Preciso de respirar, não está a sair, posso parar meia hora? Vou lá fora ver as vacas". Ao voltar, grava à primeira, de uma só vez, princípio ao fim, tal como se ouve no disco. Mesmo com o pessoal a ficar hospedado e a comer na casa apalaçada onde se encontravam as salas de gravação, a planificação de José Mário Branco teve de ser milimétrica para não derrapar: "A conclusão disso é que ia tudo muito planificado para estúdio, os takes todos, o aproveitamento até ao fundo do tacho da presença de cada músico em cada sessão, uma vez que ganhavam à sessão, e o tempo de estúdio era pago à hora". Para as sessões, José Mário Branco escolheu músicos como o percussionista Michel Delaporte – "conheci-o como baterista três anos antes, chamado por mim para um disco do James Ollivier" -, o baixista Christian Padovan – que tocara guitarra eléctrica no álbum de José Mário -, o flautista Jacques Granier e Tony Branis, trompetista do cabaret Moulin Rouge. Acontece que, devido às complicações burocráticas envolvidas nas transferências bancárias internacionais naquele tempo, Cantigas do Maio avançava já apressadamente para o final das misturas e o pagamento da Orfeu continuava por efectivar-se. José Mário pega no telefone e disca o número de Arnaldo Trindade: "Estou aqui encravado porque o dinheiro não chegou. Se você não põe alguém no avião que esteja aqui com o dinheiro amanhã eu vou endividar-me por outro lado e fico eu com a fita". Mas, de facto, no dia seguinte o estúdio recebe a visita do contabilista de Trindade, chegado com o dinheiro acordado no bolso. Seguindo instruções naturais do seu empregador, pede para ouvir a fita praticamente acabada e certifica-se que o trabalho está quase concluído. Liga então para o Porto e depois de um sumário relatório chama "Oh Zé Mário, venha aqui, o senhor Arnaldo quer falar consigo". E o diálogo que se seguiu, gravado na memória do músico, foi mais ou menos assim: – "Zé Mário, parabéns, o Pereira já esteve a ouvir e diz que está muito bonito. Só tinha uma dúvida para lhe pôr e queria que me esclarecesse. O Zé Mário combinou comigo que tinha um cachet de X por cada canção. Mas o Pereira disse-me que no disco há umas canções praticamente só com a voz do Zeca. Então e o Zé Mário faz o mesmo preço para essas?". – "Oh Arnaldo, você está enganado, essas deviam ser mais caras. Você não me paga os instrumentos que eu ponho, paga-me os que eu tiro. Quando há uma canção para orquestrar ou arranjar, eu tenho na cabeça todos os sons possíveis. O meu trabalho não é pôr, o meu trabalho é tirar, limpar, limpar, limpar". Arnaldo Trindade aceita a explicação e José Mário Branco acabava de enunciar em voz alta "uma espécie de síntese" da sua aprendizagem ao longo dos anos de produção musical. "Grândola, Vila Morena" será, inevitavelmente, a canção mais emblemática de Cantigas do Maio. E tem uma história a dois tempos, ambos em terras alentejanas. Recuemos a 17 de Maio de 1964. José Afonso viaja de carro a caminho de Grândola. Com ele seguem Carlos Paredes e Fernando Alvim. Actuam nessa noite na Fraternidade Operária Grandolense e regressam em seguida, altura em que a vila se cola ao canto que Zeca começa a urdir. "Ele ia cantando ao volante – até para não adormecer -, depois começou a desenvolver a melodia e quando chegou ao fim da viagem a canção estava feita",recorda Alvim. Às quatro da manhã, "Grândola, Vila Morena" nascia na garganta e na cabeça de Zeca Afonso. E foi assim que, anos mais tarde, chegou às mãos de José Mário Branco. Ao pensar na estrutura e na encenação do tema, José Mário recua ele próprio para o seu passado no Alentejo. Alguns anos antes, ainda estudante, era habitual juntar-se a um grupo de amigos e rumar até à aldeia de Peroguarda, próxima de Beja. "Íamos às vezes passar as férias da Páscoa no meio dos camponeses". A experiência viria a ser determinante na gravação de "Grândola", pela imagem – mais visual até do que sonora – que guardava desse período. Ao ouvir Zeca cantar, José Mário recordou "os trabalhadores a virem da monda, cansados, naquela postura em que agora os vemos tipicamente a cantarem, abraçados, na largura da estrada toda e com o pé, o movimento, a fazer parte da música". Daqui, surgem duas ideias. A primeira: "Oh Zeca, por que não damos a isto a forma do cante alentejano – o ponto, o alto, a resposta do coro, a inversão de quadras?". A segunda: a incorporação desse movimento dos pés a marcarem o ritmo, a darem o chão para as vozes se levantarem. É então que José Mário questiona Gilles sobre o melhor sítio para gravar estes passos. Assim, em volta da casa acastelada, com o estúdio instalado no sótão, fixam-se num espaço perto das dependências e das cavalariças, os pés na gravilha. Sallé desencanta uns enormes cabos de microfone e extensões igualmente longas para os auscultadores que emitiriam o metrónomo eletrónico. Depois, foi esperar pelas três da manhã, "porque podia passar uma motorizada numa estrada ou um carro, podia mugir uma vaca num campo ali ao lado". Abraçados como os camponeses, Zeca, José Mário, Bóris e Fanhais gravam três ou quatro minutos dos seus passos na gravilha, num movimento circular. No dia seguinte, os mesmos quatro gravam as vozes que ficariam para história da música portuguesa e da Revolução de Abril. O único momento em que a visão de José Mário entrou em choque com a vontade de Zeca aconteceu em "Maio Maduro Maio". Tudo começou com "Zeca a torcer o nariz quando começou a ouvir aquela trompete bouchée, mais o coro à Lopes Graça". "Zé Mário, isto é para ficar assim?". Primeiro, o produtor engoliu em seco – "O mestre diz uma coisa destas e um gajo fica à rasca". Depois, defendeu o ambiente que tinha criado. "Zeca, isto é bom. Não te pus exigência nenhuma neste disco, tenho feito tudo como tu queres. Neste caso, peço-te uma excepção. Peço-te que deixes ficar o arranjo como eu quero e depois voltamos a conversar daqui a dez anos". Zeca piscou-lhe o olho. "Está bem, depois falamos". É um dia como qualquer outro em 1979. José Mário Branco e a sua companheira Manuela de Freitas vêm do Teatro A Comuna e sobem a Rua de Campolide. Estão a passar em frente ao estúdio hoje conhecido por Xangrilá quando dão de caras com José Afonso, descendo do café, que ali se encontra a finalizar Fura Fura. José Mário e Zeca tinham-se afastado no pós-25 de Abril, seguido diferentes rumos políticos e musicais. Põem rapidamente a conversa em dia, Zeca informa que estão em fase de misturas, convida José Mário a aparecer para dar uma ajuda. Assim ficam combinados e quando se despedem, Zeca solta: "Olha, é verdade, lembras-te daquela discussão que tivemos por causa do Maio Maduro Maio?". "Lembro. Porquê?". "Tinhas razão".