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EP/45rpm

Baladas de Coimbra, 1962

ALINHAMENTO

01. Menino d’oiro
LETRA/MÚSICA José Afonso

02. Tenho barcos, tenho remos
LETRA Popular
MÚSICA José Afonso

03. No lago do breu
LETRA/MÚSICA José Afonso

04. Senhor Poeta
LETRA António Barahona/Manuel Alegre
MÚSICA José Afonso

FICHA TÉCNICA

edição
Discos Rapsódia Lda. (EPF 5.182)
gravação
Mosteiro de S. Jorge de Milreu, Coimbra
músicos
Rui Pato: Viola
fotografia
Albano da Rocha Pato

O Dr. José Afonso, de quem as noites da velha Alta coimbrã conhecem a voz inconfundível, repercutindo por escadinhas e vielas, penetrando pelas janelas e trapeiras silenciosas, é sem dúvida dos mais expressivos cantores-estudantes, que nas últimas décadas tem passado por esta cidade do Mondego, ano a ano renovada de novas vozes, novas melodias, novas expressões interpretativas. Ardendo numa constante necessidade de exteriorização artística, numa ânsia permanente de comunicar os requintes da sua insatisfação anímica, este «jogral» de hoje, como ele próprio jocosamente se intitula, personifica a forma mais pura e de maior beleza, da canção tradicionalmente conhecida como balada de Coimbra. O lirismo das suas interpretações, repassadas de um halo de saudade e distância, a linha maleável e flexível da sua voz incomparável, uma voz toda feita de alma e de sentir, colocam já este extraordinário cantor na justa galeria dos consagrados intelectuais da canção. Mas nem só como intérprete o Dr. José Afonso se destacou, criando nome alto no não muito rico panorama da nossa canção. É ainda como requintado e inspiradíssimo compositor que o seu prestígio se radica, tendo o seu género artístico evoluído no melhor sentido, de tal forma que as suas criações não têm paralelo, fugindo já aos tradicionais moldes do fado coimbrão, como se poderá verificar por estas quatro maravilhosas baladas que compõem o presente disco e que sem dúvida hão-de perdurar como um padrão da potencialidade artística deste extraordinário cantor e inspirado poeta. Habituado às noites silenciosas das ruas da Alta, que lhes falam dos seus segredos e dos seus mistérios, das amplas ressonâncias do rendilhado pórtico da Sé Velha, o Dr. José Afonso desejou gravar a presente obra no ambiente evocativo dum velho mosteiro abandonado, onde, dominando o vasto e esmeraldino vale do Mondego, a sua maravilhosa voz encheu de estranha musicalidade as abóbadas e claustros, mudos do silêncio dos séculos. É pois, esta obra, que mantendo o profundo sentido coimbrão, se coloca igualmente num plano de valores universais, que agora entrega à apreciação do público, que assim ficará enriquecido com um documento de incontestável mérito.
Albano da Rocha Pato (Texto que acompanhou a 1ª edição)
Jornalista (pai de rui pato)

Não desgostei do disco. Foi sem dúvida o melhor que coube por sorte. Alguns deslizes devem-se apenas às insuficiências fonadoras do "artista": falta de fôlego, «Lago do Breu» pouco cadenciado, uma nota desafinada no «Tenho Barcos, Tenho Remos», irregularidade rítmica no «Menino de Ouro». O «Sr. Poeta» é sem dúvida o melhor. Gostaria de regravar a «Balada do Outono» com uma ligeira alteração e a «Balada Aleixo» que figura no disco do Orfeon para a «Monitor». Esses mercenários nem sequer um disco me mandaram (…)

Excerto de postal enviado por José Afonso a Albano da Rocha Pato, s/ data
Rui Pato e José Afonso fotografados por Albano da Rocha Pato no início dos anos 60 em Coimbra.
Conheci o Zeca nos meus 16 anos, tinha ele 33, já licenciado em Letras, a leccionar em Mangualde, mas aproveitando todas as folgas para vir a Coimbra, ansioso por mostrar aos amigos as suas últimas baladas. Até essa altura, a sua actividade musical tinha sido, na década de 50 e princípio da de 60, a de um estudante com boa voz, que cantava no Orfeão e que, juntamente com o Rolim, Machado Soares, Goes, Levy Baptista, Lopes de Almeida, Portugal, Brojo e outros, se agrupavam para executar fados e guitarradas, actuando quer em espectáculos do Orfeão, quer em espectáculos da Tuna, quer em serenatas e, de vez em quando, para a gravação de um disco de fados. (…) Mas em 1962, ano tumultuado em Coimbra, com a Academia envolvida numa das mais violentas crises estudantis, o Zeca, já cansado com aquilo a que chamou a "quinquilharia passadista do velho romantismo do Penedo", sempre que podia, vinha a Coimbra para sentir esse fervilhar das novas gerações. Começa assim a sua fase de ruptura com aquilo que mais o tinha ligado até então à cidade, "o tanger dos bordões da viola, as casas de prego, as bicas nos cafés da Baixa e as arengas dos teóricos da bola". (…) Assim nasce «Menino d’Oiro», «Tenho Barcos, Tenho Remos», «Os Vampiros», «Senhor Poeta», etc. Conseguiram-se os dois primeiros EP que tanto escândalo provocaram nos meus "amigos do fado". Foi considerado uma afronta à tradição.
Rui Pato
Médico e guitarrista
A primeira notícia publicada sobre a gravação do primeiro EP de Baladas do José Afonso. Esta notícia, da qual fotografei o recorte foi publicada a 30 de Outubro de 1962, na altura em que o disco que tem o «Menino d'oiro» saiu nas bancas para a venda. O EP foi gravado no verão, mas só em Outubro é que foi lançado. Como a gravação foi feita no claustro do Convento de São Jorge, margem esquerda do Mondego com origem no sec XII, posteriormente transformado em casa agrícola, como não existiam estúdios em Coimbra e porque pareceu ter boa acústica, Rocha Pato fez esta crónica que saiu na sua coluna diária do Primeiro de Janeiro «Diário De Coimbra». (Rui Pato)

Designei as minhas primeiras canções por baladas não porque soubesse exactamente o significado deste termo mas para as distinguir do fado de Coimbra que comecei por cantar e que, quanto a mim, atingira uma fase de saturação. Achava-o muito sebentarizado, como que uma lição que se recita de cor, pouco amplo nos termos e nos propósitos, um condimento mais na panóplia turística coimbrã. Daí a Balada do Outono, nome que o Dr. Menano deu à minha primeira musiqueta. Depois o termo pegou e entrou na gíria corrente. Outras se seguiram, sempre de uma forma improvisada e, claro, sem quaisquer veleidades de escola.
Se existe ou não um género musical diferente porque se possa optar e a que se possa recorrer como alternativa de escolha entre o velho e o novo, não sei. Uma vaga indisposição contra o que estava feito, uma experiência que excedia em superfície as belezas da vida coimbrã e os encantos dos olhos da amada que ocultam mistérios profundos, eis algumas razões que me deixaram a deixar o fado e a cantar de maneira diferente.
Para definirmos correctamente balada teríamos de citar as autoridades que se debruçam sobre as origens dos cantores vagabundos, plebeus e aristocratas, populares e estudantes, lacaios e clérigos que na Idade Média interpretavam de uma forma que tornava possível na pessoa do trovador a fusão do canto com o poema, ou temas do seu tempo e as preocupações da sua classe”

José Afonso em entrevista a José Armando Carvalho, in Comércio do Funchal, 01-06-1969