Cantar alentejano
“Cantar Alentejano” é dedicado a Catarina Eufémia, uma lendária comunista que foi morta a tiro pela PIDE numa vila alentejana, Baleizão, em 1954. Ela lutava pela semana de trabalho de 40 horas. Ainda hoje, o PCP comemora o dia da sua morte.
Todavia, segundo E.Engelmayer, esta canção não serve para comemorar e idealizar uma pessoa. A morte de Catarina simboliza o sofrimento dos agricultores alentejanos. A sua dependência dos latifundiários apresentava bastantes semelhanças com a escravidão. A revolução só dificilmente pôde alterar esta situação. Por exemplo, o salário mínimo que foi introduzido depois do 25 de Abril, não abrangia os trabalhadores rurais. Por isso, estes organizaram-se por iniciativa própria, sobretudo no Alentejo. Os sindicatos rurais que nessa altura surgiram, também apoiavam as ocupações espontâneas de terras incultas. Na segunda fase do período dito de excepção, o governo começou a legalizá-las. Os proprietários pouco podiam fazer contra as ocupações, pois foram promulgados decretos que consagraram o princípio de que as terras deviam ser usadas para produzir tudo o que fosse necessário para a economia. Entendia-se por “tudo o necessário” tanto o rendimento como os empregos. (…) isto não era o caso em muitas terras. O abandono das terras era considerado agora um delito grave, e os trabalhadores rurais podiam ocupar as terras, alegando que as trabalhariam ao serviço da economia nacional.
José Afonso tinha uma ligação especial com o Alentejo. Como membro do coro universitário de Coimbra, Orfeon, passou por lá em excursões, e viveu lá como professor do ensino secundário. Conheceu assim as péssimas condições em que vivia a população agrária. (…)os trabalhadores rurais do Alentejo eram mais progressistas, já antes do 25 de Abril. Este fenómeno é atribuído ao facto de que a maior parte deles não possuía a terra que trabalhava, como também às circunstâncias de trabalho (colectivo e em grandes explorações) e à vida em aldeias de assalariados. Surgira já nos anos da Primeira República (1910-1926) uma tradição de organização e de luta sindical e política. Isto explica por que é que o PCP tinha uma muito maior implantação no Sul, onde persistia uma “fome da terra”.José Afonso reconhecia nesta população que tão duramente lutava pela subsistência, um grande potencial revolucionário e dedicou várias canções a esta região, como p.ex. “Cantar Alentejano” e “A mulher da erva”. Também a famosa canção “Grândola, viIa morena” trata de uma vila alentejana.
in “A canção de intervenção portuguesa – Contribuição para um estudo e tradução de textos” de Oona Soenario, 1994-1995, Universidade de Antuérpia